Representações simbólicas do Autismo

Texto de Ana Cândida Nunes Carvalho

Foi Gerald Gasson, em Londres, pai de uma criança autista e membro do conselho da National Autistic Society (anteriormente chamada de The Society for Autistic Children), que, em 1963, desenhou o primeiro símbolo para representar o autismo e sua “complexidade”; acreditavam que se tratava de uma “condição intrigante”: um verdadeiro mistério para resolver, garimpando peças faltosas. Na época, tratava-se de uma peça do quebra cabeça, sem encaixes, com uma criança chorosa no centro, fazendo emergir a ideia de que a pessoa autista não se encaixa na sociedade, por ser muito diferente dos demais; como se estivesse à margem do seio social. Vale ressaltar, ainda, que o logotipo teria sido adotado por não estar atrelado à ideia caritativa, ou ligado ao uso para fins meramente comerciais. Mas é notório que a ideia de “sofrimento” andava concomitante à visão social do autismo.

Já em 1999, a Autism Society of America, instituição dos Estados Unidos, adotou o formato de fita, com quebra-cabeças coloridos, ainda abordando a ideia de complexidade do autismo, mas enfatizando também as cores, que representariam a diversidade, e a própria fita que traria a ideia de esperança em relação à conscientização sobre o espectro do autismo, a importância da intervenção precoce e o suporte adequado, que permitem uma vida saudável para pessoas com autismo.

Os significados atrelados às fitas, usadas muitas vezes para representar controle ou prevenção de doença (como no caso das fitas vermelha e rosa) ou algo a ser erradicado/evitado (como no caso da fita amarela), também trazem ideias negativadas em relação ao autismo, que vão além da noção de alerta à realidade de uma parcela da população, mas emergem como alvo de temor, servindo como mote para engendrar segregação social.

A primeira associação de laço à noção de saúde ocorreu em 1990, quando ativistas contra a Aids criaram fitinhas vermelhas representando suas lutas; os laços de “fitas da consciência”, como são chamados até hoje, ganharam cores e meses de referência diferenciados de acordo com o objeto de conscientização (mama, diabetes, próstata, hepatite, leucemia, Alzheimer, etc): para disseminar e amplificar as mensagens sobre controle das diferentes doenças, dos cuidados com a saúde e da promoção de vida saudável.

Nos anos posteriores surgiu o símbolo do infinito deitado e multicolorido, como alternativa ao quebra-cabeça, trazendo a proposta de caracterizar a neurodiversidade. Passou a ser amplamente difundido pela comunidade de ativistas autistas, desde 2018, trazendo a proposta de fazer emergir as nuances do espectro do autismo, além da gama de características, dificuldades e habilidades apresentadas por cada pessoa autista, de forma única.

Fazendo um breve histórico sobre os usos do símbolo do infinito, pode-se enfatizar sua presença em estudos matemáticos, por exemplo, referindo-se às sequências infinitas de resultados de uma equação. Na mitologia, provavelmente, surgiu baseado na serpente que engole a própria cauda, Ouroboros ou Uróboro, dificultando a delimitação de um começo ou fim. Sua forma em círculos, bem como a pretensa auto absorção de si mesmo, possibilitaram a interpretação hinduísta e budista de que está associado à eternidade e ao samsara, ou seja, o ciclo infinito de nascimento, morte e renascimento. Segundo a interpretação egípcia e grega o Ouroboros está associado ao universo e à totalidade. Para os gregos, o símbolo trazia uma reflexão sobre a ideia de repetição, ou seja, que sempre existem coisas sendo recriadas no universo, eternamente; num ciclo sem fim. A metáfora corresponde à totalidade e equilíbrio do universo, representada pela figura holística, circular; em relação ao misticismo, este símbolo também é conhecido, desde a antiguidade, como lemniscata, palavra originária do latim, que significa laços simétricos, ou aquilo que dura para sempre, assumindo uma significação de traço contínuo, sem início ou término, imageticamente materializado como “oito deitado”, também chamada de guirlanda. Cada flor entrelaçada em um círculo duplo seguia a ordem cósmica em transformação e era também responsável pela beleza do conjunto, portanto, de todas as flores, sem exceção, tratando-se de um movimento em contínuo desenvolvimento.

O cruzamento de significações aponta a visão de que autismo não tem um fim, ou cura, pois não se trata de uma doença. Passa, então, a ser encarado como parte constituinte do indivíduo, levantando a questão identitária tão presente nos discursos ativistas.

Vale destacar, contudo, a tendência constante à polarização das sociedades, criando grupos humanos rigidamente especificados ou delimitados em fôrmas/padrões, contrapondo-se ao esforço de percepção dialética das cidades. O ritmo social e a multiplicidade de raízes culturais deveriam ampliar, no entanto, as possibilidades e debates sobre a formação do esqueleto das coletividades. Mas a visão prevalente segue a linha de raciocínio de onde emerge a concepção primeva do quebra cabeça faltoso; da pessoa autista que não se encaixa no padrão social.

É preciso refletir…

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